4 de jul. de 2010

Quem é que disse que essa história é sobre um livro?

Ela tinha certeza que o livro estava naquela gaveta, mas procurou, procurou e nada. Talvez ela o tenha emprestado.
É melhor esperar, alguém vai devolver!
Só que ninguém devolve e ela volta buscá-lo na gaveta, aquela gaveta enorme, cheia de coisas importantes, documentos e até algum dinheiro, para uma necessidade. Mas ele ainda não está lá.
Então é hora de ir atrás, de perguntar para algumas pessoas se elas estão com o livro. Mas cobrar o livro de quem? Como?
Será que eles não podiam devolver pelo menos os últimos capítulos? Eles podiam ficar com o começo, já que ela sabe todas as frases.
Mas não, nenhum capítulo volta a ser dela!
- Ele era mesmo seu? Tem certeza que já o leu, que o viu na sua gaveta? A primeira gaveta da esquerda?!?
Sim! Ela já o viu na gaveta, afinal, foi a partir dali que o sorriso dela mudou.
Das crônicas, era só o que ela falava. Ele era a sua poesia. Sabia do índice como ninguém.
O problema foi que ela demorou para terminar, ela gostava tanto do primeiro capítulo, que lia e relia, e não chegava logo no fim.
Hesitou tanto em saber como era o desfecho, que se ausentou por um tempo, e quando foi buscá-lo na gaveta, não o encontrou mais.
Nas férias tentou substituí-lo por outro. Ele tinha um título parecido, a capa era um pouco mais velha - um romance - daqueles com final previsível, logo desistiu, ela não gosta do previsível.
Estava decidido - desta vez ela não hesitaria, não ia perder o seu livro favorito assim à toa, ela precisava encontrá-lo, ou alguém precisava devolvê-lo.
Enquanto isso não acontecia, ela tentou outros 03 títulos: comédia, drama e um de contos, sem sucesso claro!
Por fim, numa noite vazia andando por aí ela o achou, era uma segunda edição das crônicas, ali num sebo, perdido entre tantos outros na vitrine.
A princípio olhou e rejeitou (mesmo com a teoria que não hesitaria), não queria aquele do sebo, mas ele estava lá, disponível, tão barato, resolveu então que o levaria.
Agora ela iria lê-lo por inteiro, não enrolaria se quer no índice, nada de guardar na gaveta, de reler uma página, dar importância com o fato de tê-lo comprado no sebo, mesmo que faltasse aquele cheirinho de novo e as páginas unidas.
Não importava quem o já tinha lido, ela sabia que não iria tirá-lo da bolsa.
Na volta pra casa ela desligou o celular, não queria que a perturbassem, ligou no trabalho e disse que não voltaria para a reunião, tinha acontecido um imprevisto. Ela nunca deixara de participar de uma reunião por motivos pessoais, afinal o trabalho estava em primeiro lugar, mas naquele dia não! Ela tinha encontrado o que buscava por dois anos.
No caminho de casa parou no semáforo, escutava um blues no som do carro. Os vidros estavam fechados, o inverno da capital apontava 15 graus no relógio de rua.
Mas não importava o frio da rua, o semáforo fechado, o trânsito, ou mesmo qualquer coisa que poderia aparecer. Ela tinha a segunda edição na sua bolsa.
Em um piscar de olhos, enquanto abria e fechava o farol e os carros permaneciam inertes na avenida. Um motoqueiro parou do lado do carro dela, ele não pediu para ela abaixar o vidro, nem pra ela descer, tampouco teve o trabalho de lhe pedir a carteira, num golpe, ele quebrou o vidro traseiro de seu carro e pegou sua bolsa, que lá estava no chão.
Ainda no mesmo piscar de olhos, ele levou a bolsa sumindo no mar de carros. Ela atônita, não sabia o que fazer, não conseguia pensar em outra coisa senão no livro.
Ela esperara tanto para encontrá-lo, e ele que não iria fazer uso do livro, o levou, só porque queria a bolsa, para pegar a carteira, e da carteira o dinheiro.
Não tinha cartões de crédito, o celular era tão velho, que não valia nem o sangue que ficou nos resquícios do vidro que caíra no banco do carro.

Ele levou por querer, por egoísmo, por oportunidade. Roubou o que ela amava.
O que ela tentou o tempo todo amar, só para substituir aquela primeira edição, que foi o mais lindo livro, que ela nunca leu até o fim.

Quando te roubam o amor, o vazio e a brutalidade são semelhantes!



Um comentário:

O Inseto Humano disse...

Gostei demais dessa mini história, adoro finais tristes